segunda-feira, 4 de julho de 2011

Escola e sociedade: relações e possibilidades.

Texto de referência: Nóvoa, António. Relação escola e sociedade: “novas respostas para um velho problema”. In: Volpato, R. et al. Formação de professores. São Paulo: Edunesp, 1998.p.19-39.

            No Brasil,  a partir de 1915 configura-se um momento significativo: o do entusiasmo pela educação, que passa ser a solução de todos os males da sociedade. Essa idéia continua ainda  no imaginário de muitos como o meio de sanar todos os entraves sociais atuais.

O texto de Antonio Nóvoa tem início apontando esse entusiasmo como um  dos equívocos com relação à educação. Baseado em  Ortega y Gasset, o autor nos diz   que uma boa nação não se faz apenas com escola de qualidade , mas também com política, economia, justiça e saúde de qualidade.
Se escola desenvolveu-se desde então com a crença de ser a salvadora de todos os males da sociedade, os professores eram seres especiais e  tinham uma missão nobre e de suma importância, por isso deveriam manter-se numa posição de isolamento, não podiam  misturar-se com o povo e nem com a burguesia, para que se portassem de forma isenta. Nesse processo de isolamento  afastaram-se da comunidade. Para o autor, no triângulo professores, Estado e famílias/comunidade, esse terceiro vértice foi perdido e é ponto fundamental para repensar novas soluções.
O autor propõe expor  seu texto em três momentos: num primeiro momento abordará os perigos de visões pontuais da escola, ora como salvadora, ora como mera reprodutora da sociedade. Em segundo lugar, explanará sobre a  identidade dos professores e por fim  associará as duas primeiras reflexões para fundamentar as possíveis mudanças no cenário educativo.

A escola e os professores como regeneradores da sociedade

À visão da escola como responsável pelo progresso civilizacional e instituição notoriamente benéfica, o autor contrapõe  a idéia da  escola como  instituição maléfica e  criação diabólica, utilizando para isso a posição de  Adolphe Ferrière, pedagogo dos anos 20, e  a  célebre história da pedagogia sobre “O diabo e a escola”.

Ao longo do século XX, por força das constantes modificações nos modos de governo, a escola transformou-se no elemento central do processo de homogeneização da sociedade e na criação de modelos de civilidade. Originou-se desde então uma forma de ver a escola, alunos e professores: alunos agrupados em classes graduadas; professores atuando individualmente; uns generalistas, outros especialistas; pedagogia centrada na sala de aula;  horários rigidamente determinados; saberes organizados em disciplinas. Esse sistema firmou-se com tanta força que ainda hoje é visto não só como melhor sistema, mas como o único possível.
O alvo de toda a crítica é a escola antiga, não a nova escola, pois esta é “libertadora e marca uma nova etapa no acesso do Homem à perfeição”. A quase ilimitada crença na escola como regeneradora, consolidou a imagem dos professores como sacerdotes e missionários ao mesmo tempo em que criou condições pra uma melhor formação e o desenvolvimento de uma reflexão científica na área da pedagogia.

Com a profissionalização o professor passa a ser visto, não como no antigo modelo do sacerdócio, mas como servidor do Estado e as crianças são categorizadas como alunos, passando ambos a ser encarados como populações e portanto torna-se necessário que sejam geridos por padrões institucionais próprios. Essa visão de “população escolar” teve como principal resultado as escolas de massas.
Ao processo de estatização e de profissionalização incorporou-se  a formação das ciências da educação. Temos nesse processo uma dicotomia que até hoje resiste:
“A eficácia da nova ideologia profissional implica a defesa da objectividade e a rejeição da história: a evidência científica tem de aparecer como fenômeno natural e não como uma construção social, como uma realidade atemporal e não como um processo histórico, com busca da ‘verdade pela verdade’ e não como um jogo de forças e de poderes.”

A proposição da cientificidade da pedagogia , nas primeiras décadas do século XX corresponde a um esforço de  valorizar o papel social e  prestígio científico dos novos educadores. Para Nóvoa, esses novos pedagogos exageram na caricatura da escola antiga para que o perfil das novas práticas das quais são portadores  sejam melhor delineadas, práticas que aprofundaram a crença total nas potencialidades regeneradoras da escola.

Nos anos 60, a escola passa novamente por severas críticas, chegando-se a propor uma sociedade sem escolas. Escola e professores passam a ser vilões e responsáveis, não só pela reprodução das desigualdades sociais,  mas também pela criação de novas desigualdades.

O professor ocupante, outrora de uma posição privilegiada, encontra-se agora acusado de mero reprodutor de informações. Para o autor, a partir daí se instala uma crise de identidade na profissão que até hoje persiste. O desconforto presente no íntimo da cada professor hoje, reside na distância entre a visão poética da profissão e a realidade concreta do dia-a-dia. A compreensão exata dessa crise pela qual passam os professores é, para o autor, condição sine qua non para que a educação e os docentes encontrem novos caminhos.

A crise de identidade

Nóvoa constata que há duas tendências no modo de encarar essa crise de identidade dos professores: uma externa e outra interna. A externa corresponde às formas de controle do professor. A  racionalização do ensino vê o professor como técnico que deve executar algo que não foi elaborado por ele e sim por outros, colocando assim em xeque a autonomia do professor. Simultaneamente, há a proletarização do professorado, advindo da sobrecarga de trabalho. A racionalização e a proletarização, segundo o autor, são dois momentos de um mesmo processo que tem no seu âmago a privatização que avalia/controla os professores pela satisfação dos “clientes”.

A segunda tendência evocada pelo autor, a interna à profissão docente, corresponde à busca de novos sentidos da profissão através da autonomia dos professores e das bases intelectuais do trabalho pedagógico.

Trazer novamente os professores para o centro dos debates, para Nóvoa é primordial, e propõe abordar a questão não pela coletividade, na qual as semelhanças são acentuadas e sim pela diversidade. Opta por falar, não em identidade, mas em processo identitário, processo pelo qual cada um de nós se apropria do sentido da sua história pessoal e profissional.

“A forma como cada um de nós constrói a sua identidade profissional define modos distintos de ser professor, marcados pela definição de ideais educativos próprios, pela adoção de métodos e práticas que colam melhor com nosso modo de ser, pela escolha de estilos pessoais de reflexão sobre a acção.”

O autor propõe-nos duas perguntas: “Por que é que fazemos o que fazemos na sala de aula? Que saber mobilizamos na nossa ação pedagógica?”
A primeira pergunta leva-nos a pensar em vontades, gostos, preferências, rotinas que consolidam comportamentos. Cada professor tem o seu modo próprio de ser.  Se por um lado, os professores são resistentes a mudanças, principalmente àquelas que vêm “de cima”,  por outro são adeptos aos efeitos dos modismos pedagógicos. Hoje, devido a velocidade tecnológica, há uma invasão das modas no terreno pedagógico. Para o autor,  aderir a uma moda pedagógica é a “ pior maneira de enfrentar os debates educativos, porque  traduz uma ‘fuga para frente’, uma opção preguiçosa” e aponta a necessidade de os professores desenvolverem uma vigilância crítica ao que lhe for sugerido ou proposto. Qualquer inovação só tem sentido se for objeto de reflexão e de apropriação pessoal.

Para apontar a resposta da segunda pergunta, o autor demonstra como desde muito tempo os professores limitaram-se a compartimentar seus saberes, assumindo-se assim como transmissores de um determinado conhecimento científico. Essa postura é vista como retrógrada e de pouco valor, o que para o autor significa por um lado incompreensão, pois o processo de transformar as disciplinas científicas em currículo escolar é complexo e demanda do professor, não só conhecer a matéria que leciona, mas também compreender a forma como esse conhecimento se constituiu historicamente, ou seja, é necessário compreender os conteúdos para que se possa transformá-los em produtos de ensino. Por outro lado, a tentativa de banalizar esse processo é para Nóvoa, parte integrante de um processo, nada inocente, de relacionar a escolha da profissão de professor com o insucesso. Para o ensino iriam apenas os pouco competentes.

O autor salienta  a importância de se investir na pessoa do professor e nos saberes dele emergentes, os docentes devem apropriar-se de seus saberes e elaborá-los do ponto de vista teórico conceitual, desta forma serão criadores de instrumentos pedagógicos e profissionais críticos e não apenas executores e técnicos. Tendências que dicotomizam concepção da execução devem ser rejeitadas, assim como pacotes curriculares prontos a serem aplicados, que apenas servem para desperdiçar o tempo dos professores, tão necessário à reflexão e a produção de novas práticas.
Para o autor somente através da valorização intelectual  e consolidação da autonomia é que será possível aos professores enfrentar a crise e o desconforto nos quais têm vivido.

Escola e sociedade

Apontando primeiramente os perigos da idéia  da escola-toda-poderosa com professores com missão  de moralização da sociedade e logo após a crise de identidade dos professores, o autor associa as duas idéias afirmando a necessidade de uma nova relação entre a escola e a sociedade, na qual seja respeitado o direito das famílias e das comunidades de participarem da ação educativa e seja respeitada a autonomia dos docentes.
Vistos, muitas vezes, como antagônicos esses dois poderes (escola e sociedade) devem aliar-se, pois segundo o autor não há possibilidades de mudança na educação sem investir-se neles , para isso duas condições são necessárias: assegurar às famílias, principalmente, àquelas menos favorecidas, o direito de decidirem e de participarem da educação dos filhos e não imputar culpa aos professores da crise do sistema de ensino.

Por muito tempo, as famílias, principalmente as mais pobres, foram afastadas da educação formal dos seus filhos. Diversas razões eram dadas para justificar essa postura: a falta de instrução dos pais, a má influência do meio ou ainda os discursos que legitimavam o fracasso dos menos favorecidos. O autor reafirma assim, a impossibilidade de qualquer mudança sem investir-se positivamente no poder das famílias e da comunidade.

Simultaneamente, para que novos rumos sejam vislumbrados na educação torna-se necessário investir de forma positiva os poderes do professor. Vivendo cotidianamente num paradoxo, os professores, por um lado são vistos como medíocres e mal formados, por outro são apontados como elementos essenciais para a melhoria da qualidade do ensino e do progresso social e cultural. Bem adequada é a frase usada por Nóvoa: “Pede-se-lhe quase tudo. Dá-se-lhe quase nada”.Frase que torna ainda mais verdadeira se acrescentarmos que com a expansão do trabalho feminino, na segunda metade do século XX, os pais têm cada vez menos tempo para os filhos, imputando à escola e aos professores novas tarefas.

Em meio a essas contradições é que os professores devem refazer uma identidade profissional tanto individual como coletivamente. Uma imagem nova sem os simplismo das antigas metáforas. Embora a literatura pedagógica atual também estabeleça novas metáforas, estas são menos simbólicas e mais conceituais. As imagens que elas evocam apontam, segundo Nóvoa, para três linhas de consenso: da valorização do trabalho teórico e intelectual do docente; da vontade de construir um saber docente baseado na reflexão sobre suas práticas e da certeza da necessidade de usufruir uma real autonomia.

Mais uma vez há reafirmação da necessidade de os poderes das comunidade e os poderes dos professores sejam articulados em torno de um mesmo projeto de democratização da escola. Vislumbrando que   após os ciclos Igreja e Estado, talvez seja essa a nova reconfiguração do campo educativo. Para o autor o fim do Estado educador é previsível e para tanto é necessário pensar em novos moldes nas relações escola e sociedade.

Antonio Nóvoa menciona que embora as comunicações e a tecnologia tenham ajudado a criar uma consciência planetária, por outro lado surgiram novas exclusões sociais e largas camadas sociais ficam à margem dos benefícios sociais e culturais. Sendo assim a escola e os professores não podem permanecer com um discurso socialmente isento: “Todo o silêncio é cúmplice... não podemos calar a voz das injustiças que se reproduzem também através da escola”. Ou seja, para o autor, o professor distingue-se de muitos outros profissionais, não se restringe apenas a critérios técnicos e competências científicas, mas também que possua ou desenvolva valores e princípios que os levem a crença de que toda a criança pode ter sucesso na escola. Poderíamos chamar essa “crença” de ética profissional docente.

O autor convida-nos ainda a uma redescoberta da função social da utopia e das pequenas utopias que dão novo sentido ao nosso cotidiano.

Por fim, após discorrer um inventário de instituições, intelectuais, fundações e empresas que, por este ou aquele motivo, afastaram-se das preocupações com a sociedade, nosso autor volta-se à escola como único lugar onde se concentra o maior número de pessoas qualificadas e nos pergunta: “Será que pertence à escola um papel primordial na tarefa de pensar o futuro?”. Frente à resposta positiva, vemos que novamente  todas as esperanças voltam-se para a escola. E o  grande desafio está mais uma vez nas mãos dos professores.

 
Antonio Nóvoa é Licenciado e Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Genebra, onde também foi assistente, é professor associado da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. É vice-presidente da Sociedade Portuguesa das Ciências e da Educação, onde coordena a secção de História da Educação. É autor publicado em Portugal e em outros países, de variadas obras sobre Educação

Nota: Resenha realizada para a disciplina Educação, Cultura e Sociedade - Profª Dra. Francisca Eleodora Severino.





Resenha do livro: ABDALLA, Maria de Fátima B. O senso prático de ser e estar na profissão. São Paulo, Cortez Editora, 2006, 120 (Coleção: Questões da Nossa época v. 128).

O livro da Professora Maria de Fátima Barbosa Abdala resulta dos principais resultados de sua tese de doutorado. Articula conceitos, idéias e os resultados de pesquisa para demonstrar que a formação do professor no contexto da escola é indissociável de uma melhora qualitativa do desenvolvimento profissional, que por sua vez imprime uma melhor qualidade ao contexto de trabalho.  O livro apresenta, então, de forma didática os processos de aprendizagem da profissão professor e das possibilidades de ações de formação e desenvolvimento pessoal e profissional no contexto de trabalho, no caso, a escola. A estrutura do estudo se articula em quatro capítulos. O primeiro situa o conceito de necessidade como prática de definir objetivos de mudança; o segundo examina os movimentos do contexto escolar – espaço social e campo de saber e poder; no terceiro analisa a cultura da escola; o quarto capítulo enfatiza a necessidade de reflexão sobre a natureza epistemológica do conhecimento profissional. E por fim, destaca alguns aspectos a serem considerados nos cursos de formação visando à transformação da escola.

            O primeiro capítulo trata as necessidades e perspectivas dos professores sobre o aprender da profissão, questiona se apreender as necessidades do professor seria uma forma de aprender a profissão. 

            As necessidades quando apontadas de forma consciente, por um lado, retratam a realidade e por outro podem demonstrar a intenção de transformar as condições já existentes. Essas necessidades podem ser classificadas como habituais (que retratam a rotina de trabalho) e desejadas (que se transformam em objetivos de ação e mudança).

            E assim, classificando as necessidades, organizando-as, levando em consideração a forma como são enunciadas, a que campos e contextos se referem, a autora vai tecendo um feixe de relações que se articula em diferentes campos em contextos, revelando o melhor caminho de ser e estar na profissão ou como superar as necessidades transformando a realidade. 

Para autora, ao buscar superar, dominar, vencer as necessidades que se apresentam, exercita-se a profissionalidade e de acordo o grau de profissionalidade dos professores amplia-se o seu olhar da e para a realidade. Essa transformação do olhar acontece quando se problematiza a profissão, o conhecimento profissional, e se resiste ao já estabelecido na realidade educacional. Conhecer, (re)fazer e transformar a realidade, leva à reconstrução permanente dos saberes da docência que por sua vez ampliarão cada vez mais o espaço das possibilidades.

            O segundo capítulo apresenta a escola como contexto de formação do professor e é transpassado pela questão: A escola pode ser, então, um contexto de produção/profissionalização docente? O estudo da autora aponta afirmativamente, apesar dos problemas enfrentados pelo o professor (gestão autoritária; falta de projeto político-pedagógico; organização do currículo; falta de compromisso da escola com o desenvolvimento profissional).

Apesar dos problemas citados, a autora afirma, de acordo com seus dados de pesquisa, que é possível que o professor aprenda com esse tipo de gestão. Como?  Apurando os sentidos, percebendo as regras e buscando acomodar-se a elas ou introduzindo estratégias para superar as necessidades da profissão.

A professora conclui o capítulo afirmando que ”a escola é sem dúvida, o espaço de ser e estar do professor. É lócus de ação e formação no qual os professores constroem o sentido da profissão, para reinventar instrumentos significativos de construção da realidade”.

No terceiro capítulo há a articulação dos dois capítulos anteriores, propondo a necessidade de uma cultura escolar que propicie ao professor perceber as possibilidades de desenvolvimento e novas perspectivas.

A autora apresenta, então, a necessidade da escola investir em três elementos: gestão, projeto político-pedagógico e a organização e articulação curricular, pois as práticas do professor são determinadas pelas formas como se apresentam esse três elementos, que são atravessadas pelas necessidades habituais, cruzam-se com as necessidades desejadas e estas determinam um novo habitus[1], ou seja, à medida que o professor (re)conhece, (re)faz e (trans)forma por sua própria ação, a estrutura da escola, da sala de aula e da própria prática docente, ele imprime um novo habitus, através do qual, (re)estrutura as maneiras de ser e estar na profissão.

A criação de uma nova cultura no espaço da escola exige da direção uma nova forma de conduzir suas ações: uma gestão conjunta que propicie espaços para a reflexão coletiva e individual no intuito de compreender a produção cultural que ali se faz.

O capítulo quarto apresenta como se processa o conhecimento do professor sobre e para o ensino. Coloca questões como: de que trata o conhecimento do professor? O que e como conhecem os professores? Quais as fontes (de onde provém), as formas (como se aproveitam as fontes) e estratégias (os significados que assume) desse conhecimento?  Para a professora, as fontes, formas e categorias do conhecimento articulam a unidade teoria e a prática que constitui o trabalho do professor. Entretanto, este trabalho só será significativo se o professor perceber a realidade escolar na qual estiver inserido, pois é nela que se mobilizam experiências que o constituem como pessoa e profissional da educação.

            Por fim, como conclusão, a autora aponta para a necessidade de reflexão, desde os cursos de formação inicial às ações de formação contínua, sobre a possibilidade de transformação das práticas. Para isso, propõe alguns princípios estruturantes: privilegiar nos cursos de formação e desenvolvimento profissional a análise das necessidades pessoais, profissionais e organizacionais dos professores; a escola necessita propiciar possibilidades de mudança em suas práticas; a busca, por parte da escola, de espaços e parceiros (universidade) que possibilitem tempo para o repensar conjunto da profissão.

            O livro da professora Fátima Abdalla além esclarecedor sobre as questões às quais se propôs, apresenta situações ao leitor, que, se inserido em qualquer âmbito educacional, certamente se reconhecerá. E reconhecer-se neste complexo quadro de relações que é a Educação, talvez seja o primeiro passo para a conversão do olhar e encontrar o ponto de ruptura que leve a um repensar constante sobre o ser e estar na profissão.




[1] Habitus segundo Bourdieu (1997, p. 21-22) é o princípio gerador e unificador, que retraduz características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco.

O papel do professor na formação do jovem : A voz do aluno do Ensino Médio

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver o Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer.
Porque sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Fernando Pessoa


Este trabalho se propõe a tratar de aspectos que consideramos fundamentais para ampliarmos nosso olhar para o aluno do Ensino Médio. Os dados abordados foram coletados através de textos produzidos por 98 alunos  ingressantes nesta etapa escolar de uma  escola pública de periferia em 2004. A produção destes textos fez parte de um projeto[i] maior desenvolvido na escola desde 2003, que consistia em valorizar o aluno enquanto sujeito de sua aprendizagem. Faremos, inicialmente, algumas considerações sobre a função social da escola, o Ensino Médio e a adolescência, para, então, adentrarmos à amostragem, considerações e análise dos dados coletados.



Várias instituições são responsáveis pela formação do jovem, a família, as comunidades, os meios de comunicação e a escola, e esta é, sem dúvida, o principal espaço para organizar, sistematizar, transmitir e proporcionar a construção do conhecimento. É através do conhecimento, do domínio das ciências e das tecnologias que o homem adquire meios de transformar o meio natural e a sociedade em que vive. Esse caráter transformador da escola é determinado pelo grau com que instrumentaliza seus alunos no campo da ciência, da técnica, da crítica e da criatividade. Ao estimular e desenvolver nos educandos as capacidades intelectuais, as atitudes e o comportamento crítico em relação à sociedade, na qual estão inseridos, a escola colabora de forma determinante com a transformação social. Mas o que qualquer pessoa ligada à escola, seja  professor,  aluno ou comunidade percebe com clareza é o que toda a sociedade já se habituou a chamar de “crise da educação”. Todos a reconhecemos, embora não se saiba exatamente qual sua extensão e nem quando começou, mas ela se torna evidente quando concretamente uma enorme parcela de crianças ingressantes na escola não consegue concluir satisfatoriamente os oito anos mínimos e obrigatórios. Esse é, certamente, um dos maiores problemas enfrentados pela escola brasileira na atualidade.



Por conta disso, vários esforços foram e estão sendo articulados numa tentativa de redirecionar a educação brasileira. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, Lei nº 9.394/97, ao estabelecer como sendo dever do Estado a progressiva extensão da obrigatoriedade do Ensino Médio, pretende corrigir uma das razões que provocam a distorção idade/série e a elevada exclusão dos jovens e adolescentes desta etapa escolar.



O Plano Nacional de Educação estabeleceu metas para a educação no Brasil com duração de dez anos que garantam, entre muitos outros avanços, a elevação global do nível de escolaridade da população, a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis, a redução das desigualdades sociais, e uma das mais importantes metas do Plano Nacional de Educação, no que tange o Ensino Médio, é a garantia do acesso a todos aqueles que concluam o Ensino Fundamental em idade regular no prazo de três anos, a partir do ano de sua promulgação.



Com o aumento da demanda, o Ensino Médio vem gradativamente passando por algumas mudanças, engendradas, em grande parte pelas políticas pedagógicas, por documentos do Ministério de Educação e as Matrizes Curriculares. É cada vez mais forte a idéia de que esta etapa escolar deva ter uma estreita relação entre o Ensino Fundamental e o Superior e não se reduzir a uma série de conteúdos que visem à aprovação em provas vestibulares. Ou seja, o aluno deve, neste período, ser levado a perceber as articulações entre ciência, diversidade cultural e trabalho, como também desenvolver atitudes e valores éticos, ter o convívio social estimulado e ser conscientizado a rejeitar  qualquer tipo de preconceito. E, ainda, desenvolver o educando, assegurando-lhe a preparação para o trabalho e a cidadania; desenvolver, ainda,  um currículo que destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado das ciências, das letras e das artes, o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura, e do domínio da língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania.



Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Brasil, 1999), pautados no enorme volume de informações produzidas em decorrência das novas tecnologias, e que são constantemente superados, gerando rápidas transformações sociais, indicam novos rumos para formação dos cidadãos e não meramente o acúmulo de conhecimento. Propõem que, no nível do Ensino Médio, a formação geral, em oposição à formação específica, deve orientar “o desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício de memorização” (PCNs).



Aqueles que de alguma forma estão ligados à escolas de Ensino Médio verificam que a realidade apresentada está muito distante do que propõem os Parâmetros. Essa etapa escolar encontra-se, atualmente, sem identidade e os professores carentes de formação mais adequada a essa etapa. Preparar os educandos, para o mundo do trabalho, para o acesso ao ensino superior, para o exercício da cidadania, tudo isso, através de um processo educativo centrado no sujeito, abrangendo todas as dimensões da vida, visando desenvolver plenamente as potencialidades do educando, é um discurso do qual, em teoria, não podemos discordar, mas o que percebemos na prática é a impossibilidade de concretizar esses propósitos, principalmente, porque a escola e o professor não estavam preparados para o aumento da demanda desse público específico do Ensino Médio: adolescentes e jovens.



Percebe-se um descompasso entre o que a escola oferece ao adolescente do Ensino Médio, àquilo que se pretende que ela deva oferecer e ao que o aluno espera que ela ofereça. Percebe-se inclusive um “mal-estar” com relação ao trabalho dos professores. A crise da escola evidencia-se de tal maneira que os profissionais da educação são acometidos de uma série de conflitos que perpassam pela falta de credibilidade profissional que, por sua vez, é produto da falta de credibilidade da escola. Se a imagem da escola como instituição está ameaçada, a idéia de cidadania também está, pois a escola ainda é o meio de o cidadão ter de fato acesso aos seus direitos com vistas não somente ao direito de voto, mas também a uma vida com dignidade.



Quando se investiga o insucesso escolar, principalmente no Ensino Médio,  as razões que constantemente surgem é a falta de interesse do aluno, não têm perspectivas, não querem estudar etc., ou seja, esse insucesso é produto de outras fontes que não a escola, o professor ou a ação pedagógica.



Para Aquino (1998:182):



(...) ao eleger o aluno-problema como um empecilho ou obstáculo para o trabalho pedagógico, a categoria docente corre abertamente o risco de cometer um sério equívoco ético, que é o seguinte: não se pode atribuir à clientela escolar a responsabilidade pelas dificuldades e contratempos de nosso trabalho, nossos ‘acidentes de percurso’. Seria o mesmo que o médico supor que o grande obstáculo da medicina atual são as novas doenças, ou o advogado admitir que as pessoas que a ele recorrem apresentam-se como um empecilho para o exercício ‘puro’ de sua profissão.



Quem é esse aluno que chega ao ensino médio? O que quer? Quais são seus projetos? Que vivências ele já possui? Quais são seus anseios e dúvidas? A escola e o professor esperam um aluno ideal e desconsideram ou rotulam o aluno real com o qual se deparam. Ignoram-se as suas múltiplas experiências de vida fora do espaço escolar. A expectativa pelo aluno ideal torna-se mais problemática se desconsiderarmos a diversidade do público atual do ensino médio. O que nos parece claro é que a escola, os professores e a sociedade em geral olham para a conduta do adolescente sempre de forma reducionista, simplista e como problemática. O aluno adolescente, ou o “aborrecente” é apontado sempre como um problema, criam-se estereótipos e ao mesmo tempo em que lhe são impostas novas regras do mundo adulto lhe é negada participação efetiva nesse espaço, principalmente, no que diz respeito ao direito à expressão. Esse espaço de tempo, em que as características infantis são abandonadas, mas ainda não se assumiram as obrigações e responsabilidades da vida adulta, torna-se cheio de contradições.



Sobre essas contradições, Melman (1999) afirma que a forma pela qual a adolescência é tratada revela uma discordância que nossa cultura mantém entre os estatutos biológico, subjetivo e social. O adolescente, por um lado, é tomado por uma exigência interna e, de outro, por uma norma social que o subestima e o declara ainda incapaz.



Com o alongamento da permanência na escola, propiciado pelo aumento progressivo do acesso à escola de ensino médio, há a necessidade de novas propostas de trabalho para esse público específico, prioritariamente, adolescentes e jovens.



Para Calligaris (2000: 8-9), os adolescentes:



 (...) amam, estudam, brigam, trabalham. Batalham com seus corpos, que se esticam e se transformam. Lidam com as dificuldades de crescer no quadro complicado das famílias modernas (...) eles precisam lutar com a adolescência, que é uma criatura um pouco monstruosa, sustentada pela imaginação de todos, adolescentes e pais. (...) A adolescência é o prisma pelo qual os adolescentes se contemplam. Ela é uma das formações culturais mais poderosas de nossa época.



A adolescência não é um fenômeno universal. A antropologia já constatou que os povos primitivos não passam por esse estágio, pois o mundo adulto encontra-se nitidamente dividido pelo “ritos de passagem”. Esses rituais introduzem o indivíduo no mundo adulto com valores e regras bem definidas, não havendo ambigüidades a respeito dos direitos e deveres que estado de “adulto” lhe acarreta.



Já, nas sociedades modernas, há a segregação do jovem através de uma espécie de segmentação no período de transição de uma faixa etária para outra. A escola, na modernidade, passou a ter papel fundamental nesse período de espera enquanto espaço separado, apropriado e de grande importância para a preparação para a vida adulta. Mas como já observamos anteriormente, a escola vê esse adolescente de modo reducionista e estereotipado, não proporcionando momentos de vivências adequadas para que os educandos se desenvolvam enquanto sujeitos dessa preparação para adentrar na vida adulta.



Faz-se necessário, então, que a escola perceba, como nos diz Dayrell (1996: 140), que:



(...) os alunos chegam à escola marcados pela diversidade, reflexos dos desenvolvimentos cognitivo, afetivo e social, evidentemente desiguais, em virtude da qualidade de suas experiências e relações sociais prévias e paralelas à escola. O tratamento uniforme dado pela escola só vem consagrar a desigualdade e as injustiças das origens sociais dos alunos.



É preciso, assim, que a escola propicie espaços para que seus alunos tenham voz, para que se expressem, opinem, sugiram, analisem, critiquem, enfim, participem, desenvolvendo assim competências fundamentais para o mundo do trabalho, característica primeira do mundo adulto. Compreender esse aluno que chega à escola é apreendê-lo como sujeito sócio-cultural. Para isso, é preciso superar a visão homogeneizante e estereotipada da noção de aluno. Ou seja:



Trata-se de compreendê-lo na sua diferença, enquanto indivíduo que possui uma historicidade, com visões de mundo, escala de valores, sentimentos, emoções, desejos, projetos, com lógicas de comportamentos e hábitos que lhe são próprios. (Dayrell, 1996:140)
Ao participarmos por alguns minutos de qualquer reunião de conselho de classe e série, veremos que essa necessária mudança de visão está bem distante da realidade, pois nos deparamos com vários rótulos e estereótipos dados aos alunos: o desinteressado, o indisciplinado, o desrespeitoso, o que não tem pré-requisitos, o que não tem limites, o agressivo, o tímido, o bagunceiro,  ou ainda uma expressão que de tão ampla é vazia de significado: “esse aluno tem problemas”. Esses esteriótipos acabam por cristalizar modelos de comportamento com os quais os alunos passam a se identificar.



De acordo com Spósito (2001), o estereótipo atribui a priori características ao sujeito, neste caso, o adolescente, e nega o direito à fala. Ou seja, nos negamos a escutar o que ele teria a dizer sobre si mesmo e lhe são impostas definições externas que toma como suas, que, ainda segundo a mesma autora, essas definições tornam-se representações incorporadas pelo jovem, podendo gerar estigmas que deformam a identidade. Desta forma, torna-se claro que o olhar que lançamos ao adolescente tem grande importância na constituição de sua identidade.



A responsabilidade de escola com relação à formação do jovem é enorme e deve não reproduzir o olhar que a sociedade em geral tem do adolescente e, sim, caminhar no sentido de reconhecer esse adolescente como um ser único, respeitando democraticamente seu direito a ser ouvido e estimulado à livre expressão responsável, crítica e consciente.



Para Aquino (2003:61):



 (...) o modo de vida democrático não é uma disposição espontânea nem inerente às pessoas. Ele precisa ser incessantemente cultivado, isto é, posto que se aprende, tem de ser ensinado sem cessar. Por essa razão, não poderá haver democracias sustentáveis se não contarmos com escolas orientadas para a defesa intransigente da liberdade, da dignidade, da justiça, do respeito mútuo etc.
Tendo por base que a escola é um espaço polissêmico, é necessário articular a experiência que a escola oferece de acordo com o seu projeto político-pedagógico, com o projeto dos alunos. Não seria a escola o espaço privilegiado para desenvolver a formação humana de forma ampla, ampliando o universo dos alunos?



E, como nos diz Velho (1987, apud Dayrell, 1996: 145):



(...) quanto mais exposto estiver o ator a experiências diversificadas, quanto mais tiver de dar conta de ethos e visões de mundo contrastantes, quanto menos fechada for a sua rede de relações ao nível do seu cotidiano, mais marcada será a sua percepção de individualidade singular. Por sua vez, a essa consciência da individualidade, fabricada dentro de uma experiência cultural específica, corresponderá uma maior elaboração de um projeto.




Pensando dessa forma, iniciamos, em 2003, um projeto que tinha como objetivo desenvolver a livre expressão, a análise, a crítica, e a solidariedade através da empatia e do respeito ao outro. Um dos momentos desse projeto caracterizou-se pela proposta de uma produção textual que tinha como tema o papel do professor na formação do jovem.             A princípio, o que se percebeu foi a enorme dificuldade de elaborar, selecionar e organizar a idéias, ou seja, a maioria não sabia exatamente qual era o papel do professor na sua própria formação. O que pode parecer estranho, afinal a maioria está na escola pelo menos há nove anos e não conseguia definir qual é o papel do professor.  Questionados sobre isso, os alunos se surpreenderam por nunca terem pensado ou percebido que os professores têm um papel em sua formação e passaram a refletir sobre ele.



Nos textos produzidos, que passaram a ser tratados, na análise de dados como questionários abertos, o que se percebe é que apesar de a maioria nunca ter refletido sobre o tema, quando o fez, conseguiu levantar aspectos sobre o papel do professor extremamente pertinentes. Ou seja, os alunos quando estimulados a participar, a refletir e a expressar-se mostram-se competentes  e demonstram ser muito diferentes dos esteriótipos e rótulos que normalmente lhe são impostos.



Segundo Rios (2003:93): “Em toda a ação docente, encontram-se uma dimensão técnica, uma dimensão política, uma dimensão estética e uma dimensão ética”. Em seus textos, os educandos abordaram pontos que englobam justamente essas quatro dimensões. Sendo assim, os dados coletados foram organizados no que tange à dimensão da competência técnica, dimensão ético-política e dimensão estética. Além desses dados elencados com relação ao papel do professor enquanto formador, pode-se constatar, também, que muitos alunos conseguiram perceber as dificuldades e deficiências que alguns professores têm em desempenhar esse papel e, ainda, indicaram o que seria necessário para que a sua formação, enquanto alunos, fosse mais eficaz.



Na dimensão da competência técnica, o que se espera de um professor é o domínio dos conteúdos de sua disciplina e que consiga transmiti-los, ou seja, domínio do  conteúdo específico e de métodos pedagógicos.



De acordo com Cunha (1982, apud Rios, 2003:94), o termo “técnica” é usado para indicar o “conjunto dos processos de uma arte” ou a “maneira ou habilidade especial de executar ou fazer algo”. Temos, então, a competência técnica ligada à capacidade de lidar com os conteúdos e conceitos e das atitudes. Essa dimensão foi claramente citada na maioria dos textos:



O docente tem o dever de conhecer a matéria que ele leciona e deve expressar esse conhecimento com clareza...
O papel do professor é transmitir conhecimento, é tirar qualquer tipo de dúvida que apareça sobre sua matéria...




O papel mais importante do professor é transmitir conhecimento...



(...) o professor deve preparar para o vestibular, transmitindo todo o conhecimento possível e, também, preparar para o mercado de trabalho...



Ensinar de forma que o aluno entenda faz parte do papel do professor; deve também tentar compreender a dificuldade do aluno e tentar tirar suas dúvidas...



(...) os professores devem se empenhar em ensinar de uma forma interativa e dinâmica, fazendo com que os alunos aprendam de uma forma divertida e interessante...



O docente deve passar o máximo dos conhecimentos para que o aluno possa se tornar uma pessoa culta...e devem expressar esses conhecimentos com correção e clareza...



(...) deve ensinar seu conteúdo com clareza, preparar para o vestibular e nos sentirmos seguros para entrar no mercado de trabalho...



A competência ético-política está presente naquele professor que, além de ensinar, sente a responsabilidade de formar integralmente o seu aluno, parafraseando Freire (1997), ter compromisso ético político é aquele que ensina a ler o mundo e não apenas se restringe a ensinar a leitura das palavras.



            Rios(2003:106) reivindica, para a profissão docente, a dimensão da competência ética, esclarecendo que competência guarda o conceito de algo de boa qualidade – algo que se exercita como deve ser,  na direção não apenas do bem (...), mas do bem comum. Daí, a perspectiva ética.



Inseparável da ética está a competência política que tem como finalidade a vida justa e feliz, ou seja, a vida propriamente humana digna de seres livres (Chauí 1994:384). Iniciar os alunos no que diz respeito a sua participação na sociedade, cientes de seus direitos e deveres, é parte desta competência. Nos textos analisados, essa competência é a citada como mais importante na formação do jovem. Vejamos alguns trechos:



O papel do professor é um marco na vida de qualquer pessoa. É ele quem ensina, auxilia nas dificuldades e prepara-nos para o mundo.




(...) é necessário que exista respeito para que o docente exerça sua função de ensinar, mas não apenas uma simples lição de determinada matéria, mas sim um aprendizado de vida que o jovem irá levar com ele pela vida toda.




Ele deve nos ensinar muita coisa e não só sobre a matéria, mas também coisas sobre a vida que nos ajudará muito no futuro, pois é através dele que seremos cidadãos bem informados sobre nossos direitos e deveres.




O papel do professor é ser ético com seus alunos, deve ensinar com prazer e não fazer seus alunos de máquinas copiadoras...



É dever do professor ensinar a se comportar no mundo, deve mostrar ao aluno o valor daquilo que está transmitindo e deve mostrar qual é a importância do jovem no mundo de hoje...



O professor tem uma grande importância na educação dos jovens, pois ele passa um terço de nossa vida conosco...é necessário que ele seja o guia do jovem... um amigo e não só um simples professor... e também deve servir de inspiração para o jovem...




(...) além disso, é ele que te ajuda a ter respeito ao próximo, a ser solidário... o docente é uma parte da sua viajamais será esquecida, pois ele sempre tem algo novo e surpreendente para te ensinar, é ele que vai te mostrar que o mundo pode ter mais brilho e te transformar numa pessoa preparada para o futuro...



O professor não é só importante para o ensino de Português, Matemática, mas também para orientá-lo no dia-a-dia, é ele um dos responsáveis junto com a família, pelo desenvolvimento do intelecto e do futuro do jovem.



(...) em suas aulas deve exigir de nós sempre o melhor, fazendo-nos ter responsabilidade com datas de entregas de trabalho, e mostrando sempre que isso é para o nosso bem, deixando sempre claro que assim vamos ser pessoas mais preparadas para o mercado de trabalho, que hoje em dia devido a atual crise, só seleciona os melhores, mais interessados e esforçados...



(...) ele deve ensinar que não é só nossa opinião que vale, que temos que aprender a ouvir os outros e juntos chegar a uma conclusão em comum e, principalmente, respeitarmos as diferenças, pois cada um vem de uma família, cada um tem um grau de entendimento diferente, mas que todos têm o direito de expressar suas idéias...



(...) outro fator importantíssimo na educação de um jovem é o professor servir de espelho para seus alunos, ou seja, se o educador se mostra uma pessoa bem educada, com princípios, o jovem receberá isso como uma lição que será exercida diariamente...



(...) o dever do professor é repreender, orientar e dar conselhos para tornar seus alunos cidadãos de caráter...



(...) é dever do professor agir com justiça, não discriminar os alunos...expondo os deveres e respeitando os direitos da cada aluno e avaliar segundo seus esforços...



(...) devem saber formar opinião... ter uma postura correta, pois não é possível ter um discurso e sua prática ser outra...deve levar o aluno a construção da cidadania, ou seja ajudar o aluno a perceber que sua opinião é importante e que reconheça sua importância na sociedade sabendo dos seus direitos...



(...) deve valorizar o aluno na sua capacidade... levantar sua auto-estima para que ele se sinta forte para lutar por seus interesses... ensinar que para ser um cidadão não precisa passar por cima dos outros e, sim, ter respeito por todos que o cercam sendo uma pessoa digna de caráter...




A origem etimológica da palavra estética vem do grego aisthesis com o significado de “faculdade de sentir”, “compreensão pelos sentidos”, “percepção totalizante”, portanto, tomando esses significados não aprofundaremos, aqui, uma reflexão sobre a arte ou o belo, mas, sim, relacionar os significados originais da palavra à necessidade de sensibilidade no ato educativo.



Rios (2003), citando Ostrower (1986:12-13), refere-se à sensibilidade como algo que vai além do sensorial e que diz respeito a uma ordenação das sensações, uma apreensão consciente da realidade, ligada estreitamente à intelectualidade. Segundo ela (id.: 96): “(...) a sensibilidade guia o indivíduo nas considerações do que para ele seria importante ou necessário para alcançar certas metas de vida.(...)”. A sensibilidade se converte em criatividade ao ligar-se estreitamente a uma atividade social significativa para o indivíduo. Sendo assim, a estética é uma dimensão da existência, do agir humano. É o que podemos perceber das falas de alguns dos nossos alunos:




(...) o professor deve agir com carinho, demonstrando interesse em que todos alcancem o objetivo final que é ser aprovado, ele conseguirá a confiança e o respeito de todos (...), propor trabalhos e atividades que exijam a aproximação do aluno e do professor...



(...) deve haver entre o professor e o aluno um vínculo de amizade, confiança e respeito, para que haja um melhor rendimento e para que todos os objetivos sejam alcançados...



(...) deve ser um conselheiro sincero, é o nosso amigo que muitas vezes nos dá um conselho, um apoio quando precisamos...



 O professor deve demonstrar interesse pelo aluno e ter paciência quando explicar.



O professor deve ter paciência, interesse no aluno e vontade de ajudar os alunos nas suas dificuldades...



Ele deve ter um bom relacionamento com o aluno, deve ter diálogo, amizade entre eles e acima de tudo respeito, o professor não é só um amigo ele é muito mais que isso, ele vai estar com o aluno boa parte da vida, mostrando coisas que ele nem sonhava que existiam...



Os professores passam a maior parte do dia com os jovens por isso eles devem passar alegria para isso refletir no aluno.



Outro item muito importante na relação entre o professor e o aluno é o companheirismo, pois a partir do momento que os dois sejam companheiros, facilitarão os dois lados, o ensino do professor e o aprendizado do aluno...



            Percebe-se, na análise dos textos produzidos pelos alunos, que suas percepções sobre o papel do professor são aprofundadas no sentido de demonstrarem claramente que uma dimensão apenas não é suficiente, mas que uma complementa a outra.



            Para Rios (2003:108):



 a dimensão ética é a dimensão fundante da competência porque a técnica, a estética e a política ganharão seu significado pleno quando, além de apoiarem em fundamentos próprios de sua natureza, se guiarem por princípios éticos. Assim vale reafirmar que, para um professor competente, não basta dominar bem os conceitos de sua área – é preciso pensar criticamente no valor efetivo desses conceitos para a inserção criativa dos sujeitos na sociedade. Não basta ser criativo – é preciso exercer sua criatividade na construção do bem-estar coletivo. Não basta ser comprometido politicamente – é preciso verificar o alcance desse compromisso, verificar se ele efetivamente dirige a ação no sentido de uma vida digna e solidária.


            E, neste sentido, afirma um de nossos alunos:


(...) existem professores que só se preocupam em ensinar sua matéria deixando de lado coisas muito importantes:  a virtude, que é ensinar como conviver bem com seus colegas e na sua comunidade, a ser um cidadão de verdade.



            Além de terem elencado, em seus textos, as quatro dimensões da competência, alguns fizeram referências às dificuldades e deficiências apresentadas no ambiente da sala de aula, abordando aspectos como a falta de conhecimento teórico sobre matéria lecionada, o clima de desordem, a falta de didática,  a falta de comprometimento. Alguns conseguiram identificar o comportamento de professores que, provavelmente, se mostram na fase de desinvestimento da carreira. Vejamos alguns trechos para melhor ilustrar:



A desordem dentro da sala de aula atrapalha o desenvolvimento dos alunos, pois se a bagunça não é contida, logo ela se torna gradual e, mais tarde, foge do controle do professor, que, muitas vezes, não dá importância, mostra um certo desinteresse em melhorar, em inverter a situação e, com isso, acaba permitindo os excessos  de indisciplina, pois sua autoridade não é mais respeitada.


Alguns professores tentam dar aula. Quando eles percebem que não vão conseguir, alguns deles desistem, deixando apenas um conteúdo incompreendido na lousa e quem ficam prejudicados são os alunos que estão interessados em aprender.


Existem professores que conseguiram ter conhecimento suficiente para exercer sua profissão que é de muita responsabilidade, mas não conseguem ensinar os alunos.




Há professores que não conseguem preparar suas aulas e chegam na escola com algumas coisas improvisadas e não conseguem passar o conhecimento suficiente para os alunos.




O professor tem um papel fundamental na vida do jovem, mas alguns entram nessa profissão não sei por que, pois não sabem explicar direito, só sabem gritar e brigar com os alunos.



Já é da natureza do aluno não gostar da escola e quando percebem que o professor está com falta de interesse, não estudam, não fazem nada, se tornando alunos rebeldes...




O professor precisa compreender que os alunos não têm o mesmo grau de conhecimento que ele e, por isso, não deve se irritar, mas ensinar quantas vezes for necessário para que o aluno aprenda o máximo.




Como toda a profissão, existem os que fazem seu dever por amor e vocação e os que fazem só pelo dinheiro e a diferença se vê em sala de aula, há professores que só se preocupam em “passar” a matéria e acham que fazendo isso sua missão está cumprida”.



            Parece-nos claro que o aluno está muito além daquilo que normalmente o rotulam. A ampliação do olhar sobre ele, percebendo-o de maneira mais complexa, no sentido de conhecer seus saberes, vivências, suas idéias, suas críticas, suas propostas, poderia ser um caminho no sentido de dar contornos possíveis para uma formação integral desse jovem.  Ao ouvir o aluno, o que se recebe de volta é uma profusão de opiniões, observações, propostas etc., que são surpreendentes e que em nada sugerem a imagem de superficialidade que normalmente lhe é impingida. A escola precisa abrir-se para o novo, e o adolescente precisa de um espaço em que possa ser ouvido, reconhecido. Ao propor que o aluno precisa ser ouvido, não estamos sugerindo que ele passe a ditar suas regras e sugerir propostas que devam ser aceitas prontamente pela escola, obviamente que não, o que se propõe é oportunizar o diálogo, construir uma relação de respeito mútuo. Nos dados coletados, os alunos sinalizam claramente que precisam de um adulto, no caso, o professor como portador de valores, de regras e que lhe sirva de exemplo:



(...) outro fator importantíssimo na educação de um jovem é o professor servir de espelho para seus alunos, ou seja, se o educador se mostra uma pessoa bem educada, com princípios, o jovem receberá isso como uma lição que será exercida diariamente...




            A vontade dos alunos é ter voz, é ter oportunidade de propor, de criticar, de participar de um processo no qual são os principais interessados, assim, como transformar nosso aluno em sujeito de seu próprio conhecimento sem dar oportunidade para que se expresse? Nosso objetivo, no presente trabalho, foi o de discutir a importância de se ouvir o aluno para podermos ampliar nosso olhar sobre ele e mostrar que durante o desenvolvimento do projeto, no qual os textos foram produzidos, isso foi possível. Ou seja, os alunos foram ouvidos, reconhecidos como sujeitos capazes de observar, avaliar, propor mudanças, questionar, enfim, participar de um processo dialético.



Estamos cientes de que não exploramos a totalidade dos dados recolhidos, muito mais poderíamos aprofundar tanto no que diz respeito às informações presentes nos textos, como em relação a uma mais completa fundamentação teórica.



Acreditamos que a relevância dos aspectos abordados pelos alunos e a dimensão com que participaram das atividades nos dão indícios sobre a necessidade e a importância de se ouvir o aluno e olhá-lo com um olhar ativo, sem pressa, percebendo as mudanças, as semelhanças e as diferenças, enfim, olhá-lo com “olhos de ver”.



Referências Bibliográficas


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[i] O projeto Vivências Comunicativas integrava as aulas de Língua Portuguesa da E.E.  Profª Gracinda Maria Ferreira.